Quais erros mais comuns podem comprometer a saúde financeira de quem trabalha por conta própria e como evitá-los?

26 de nov. de 2025

Julianne Simões, CFP®, responde:

Quem trabalha por conta própria pode ter a sensação de que a renda nem sempre é previsível. Essa é a realidade de muitos brasileiros. Hoje, a cada três adultos, um está envolvido em algum tipo de atividade empreendedora, seja de maneira formal ou informal.

Nos últimos anos, esse movimento tem ganhado força. Segundo o relatório mais recente do Global Entrepreneurship Monitor (GEM 2024), a taxa de empreendedorismo no Brasil atingiu o maior patamar dos últimos quatro anos, saltando de 31,6% para 33,4%.

Parte dos desafios que surgem nesse caminho está ligada à falta de familiaridade com finanças e a alguns vieses de comportamento, como o otimismo excessivo de que “no futuro tudo vai dar certo”. Quando esses fatores aparecem juntos, podem impactar tanto a continuidade do trabalho quanto a organização da vida pessoal.

Olhar de frente para essas dinâmicas é um passo importante para que o trabalho por conta própria deixe de ser apenas uma estratégia de sobrevivência e passe a sustentar projetos de vida.

Um dos erros mais comuns entre autônomos começa pela indefinição sobre quanto precisam ganhar. Muitos não sabem exatamente quanto é necessário para manter a vida da família, como aluguel, supermercado, escola das crianças, e, por isso, não conseguem definir o valor de pró-labore (que é o salário do sócio), que deve ser gerado todos os meses pela atividade para suprir as necessidades pessoais.

Outro ponto frequente é misturar as despesas pessoais com as despesas da vida profissional. Muitas vezes, o recurso que deveria ser reservado para impostos ou fornecedores como prioridade acaba sendo usado no pagamento da escola dos filhos, da casa ou do carro. Essa prática cria a impressão de que todo o dinheiro da atividade pode ser utilizado para a vida pessoal, quando não é bem assim. É como misturar os talheres da cozinha com as ferramentas de trabalho. Essa falta de separação compromete a clareza sobre a real capacidade do trabalho autônomo de manter as contas em dia e guardar uma parte para formar uma reserva que será útil nos meses de menor faturamento ou de sazonalidade da profissão.

Estar com a agenda cheia de atendimentos, de manhã à noite, e ainda assim não ver sobrar dinheiro no fim do mês é uma situação comum para quem trabalha por conta própria. Muitas vezes isso é entendido como falta de organização, mas, na verdade, pode estar ligado à ausência de familiaridade com as bases da precificação. Olhar apenas para o que o mercado cobra, sem incluir todos os custos da atividade, pode distorcer o resultado. É comum esquecer dos impostos e até da necessidade de garantir salário, férias e a manutenção da estrutura física, para aqueles que a possuem. Sem esses elementos, o risco é trabalhar muito e descobrir que o esforço não garante a renda necessária para manter a vida pessoal e profissional.

Guardar dinheiro é o caminho viável, mas não é simples, e cada autônomo vive isso de uma maneira. Para alguns, a renda mal cobre as despesas básicas e sobra pouco ou nada para separar. Para outros, até existe a intenção, mas sem uma organização mínima, o valor que poderia ser guardado acaba sendo usado em contas do dia a dia, como luz, água ou aluguel da sala. O fato é que, quando os rendimentos diminuem, quem não tem uma reserva sente ainda mais o peso dos imprevistos e pode acabar recorrendo a soluções caras.

Quando falta dinheiro, muitos autônomos acabam recorrendo ao cheque especial ou ao rotativo do cartão de crédito, na esperança de que nos próximos meses a situação melhore. Esse comportamento é conhecido como otimismo excessivo, um viés financeiro descrito por Daniel Kahneman no livro Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar. O problema é que, enquanto a melhora não vem, os juros elevados se acumulam e podem comprometer a renda que seria necessária para manter a atividade funcionando.

Os caminhos mais viáveis para evitar esses erros começam por ter clareza sobre as despesas pessoais e organizar uma boa estrutura bancária. Isso significa separar o que é da atividade do autônomo, como aluguel da sala, impostos e fornecedores, do que é da vida pessoal. Uma forma prática é definir um pró-labore, ou seja, um salário fixo, e transferi-lo uma vez por mês da conta profissional para a conta pessoal. Essa dinâmica traz previsibilidade e abre espaço para o início da formação de uma reserva.

Quando existe dificuldade para formar reserva, mas há um cenário futuro positivo baseado em estudo do trabalho, pode fazer sentido buscar linhas de crédito específicas para a atividade, com juros menores e prazos mais adequados. Essa prática também pode ser usada para reorganizar dívidas que estejam comprometendo a saúde financeira.

Vale ressaltar que qualquer tomada de decisão, quando acompanhada por um profissional independente, pode trazer mais clareza e eficiência ao longo do tempo.

Julianne Simões é planejadora financeira pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar - Associação Brasileira de Planejamento Financeiro.
E-mail:
atendimento@juliannesimoes.com.br

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Época Negócios