Como integrar o capital humano ao planejamento financeiro para construir um patrimônio duradouro?

22 de out. de 2025

Rafael Mendes, CFP®, responde:

O investidor pode passar a vida inteira procurando o “melhor investimento” e, mesmo assim, desperdiçar seu maior patrimônio. Não se trata da sua própria casa, muito menos dos seus investimentos financeiros. Trata-se dele mesmo, da sua capacidade de gerar renda ao longo dos anos, ou seja, de capital humano. Ignorar esse ponto transforma qualquer plano financeiro em uma roleta. Caso essa principal fonte de renda sofra um impacto, de nada adianta ter uma carteira supostamente “diversificada”.

No Brasil, quase ninguém fala sobre isso — esse é o problema. A maioria dos investidores segue fórmulas prontas de “alocação em renda fixa, renda variável e imóveis”, supondo que espalhar recursos por vários ativos resolverá tudo. É preciso que eles percebam que, caso sua renda e investimentos estejam concentrados na mesma área – ou se os riscos estiverem mal calibrados – poderão cair junto quando algo der errado. Isso ocorre com profissionais que, ao perderem o emprego, veem também seus investimentos indo embora, pois jamais separaram o risco da própria carreira.

De acordo com Ibbotson em “Human Capital, Asset Allocation, and Life Insurance” outro ponto necessário é ajustar o seguro de vida ao valor real do capital humano. Muitas pessoas calculam o que têm na conta, mas ignoram décadas de renda futura que seriam perdidas em caso de morte ou invalidez. Esperar gerar milhões ao longo da vida, mas ter um seguro que é irrisório fará com que essa família fique desprotegida. Essa falha ocorre todos os dias. É preciso aprender que a maior riqueza está em si mesmo.

Essa visão errônea pode ser explicada pelo mito da “diversificação cega”. Espalhar dinheiro por muitos ativos, sem considerar a profissão, histórico familiar e objetivos de longo prazo, costuma resultar em desempenhos insignificantes ou perigosos. Para construir um patrimônio sólido, existem níveis de alocação que são chamados de camada de segurança, camada de acumulação e camada de riqueza.

Explico melhor, pontuando a diferença de cada um usando a definição original de Chhabra no seu estudo “Beyond Markowitz”. A camada de segurança garante que o investidor não volte à estaca zero. Inclui reserva de emergência, seguro de vida adequado e estratégias que irão protegê-lo contra imprevistos. Caso negligencie isso, poderá perder tudo de uma só vez.

Já a camada de acumulação é aquela que organiza e faz o capital crescer de forma estável e equilibrada, ajustada ao perfil de risco e à consistência da renda. Aqui, é preciso ter cuidado com a profissão: se ela for instável, a camada de acumulação deve ser mais conservadora. Caso a renda seja mais estável, é possível buscar retornos maiores.

Por fim, a camada de riqueza, que se refere à busca de multiplicação do patrimônio de forma mais agressiva. Não se coloca todo o dinheiro aqui, mas sim parte dele, expondo-o a oportunidades que podem acelerar os resultados. Quem segue apenas a “diversificação tradicional” raramente dará um salto significativo. Porém, antes de investir nessa camada, é preciso ter as anteriores bem resolvidas.

No cenário brasileiro, muitos profissionais oferecem produtos sem considerar a fundo o capital humano, a família do investidor, o plano sucessório e possíveis eventos que poderão afetar a renda. Esse método pode deixar enormes lacunas. Já vi executivos de alto escalão, com rendas extraordinárias, manterem seguros insuficientes e, pior ainda, não planejarem sua herança. Se algo acontecer, as consequências poderão ser desastrosas.

É preciso integrar todos esses elementos em cada fase da vida financeira, por isso minha metodologia de trabalho consiste em ter bem estruturado: a fundação (capacidade de poupar, traçar objetivos), a segurança financeira (reservas, redução de impostos, controle de riscos pessoais), a construção de riqueza (organização dos investimentos em busca de alocação eficiente), a manutenção (como gerar renda perpétua ou aumentar seu padrão de vida sem perder o rumo) e o legado (herança, sucessão, instrumentos legais e imobiliários).

Em cada etapa, considerar que o principal ativo não é apenas o dinheiro investido, mas sim o fluxo de renda que é produzido pelo investidor. Se esse fluxo for interrompido ou drasticamente reduzido, nada mais importa. Desse modo, se desejar acelerar para um patamar maior de riqueza, precisará ter uma base sólida antes de correr riscos mais altos.

Portanto, para fugir do clichê, precisamos entender: o erro mais perigoso é ignorar o fator “você mesmo”. Sem ajustar seguros, analisar a própria carreira e fazer um planejamento genuíno, as chances de construir um legado sólido são mínimas. É possível viver de “receitas prontas”, mas esse caminho raramente leva à verdadeira independência financeira.

Continuar confiando em fórmulas prontas e rezar para não perder o emprego ou sofrer algum revés pessoal é viver de maneira totalmente insegura. É preciso integrar o capital humano ao modelo de camadas, que poderá sustentar melhor um patrimônio realmente duradouro.

Rafael Mendes, é planejador financeiro com certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejamento Financeiro. E-mail:
rafael.mendes@montebravo.com.br

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Confira a publicação original do artigo: Época Negócios